segunda-feira, 2 de agosto de 2010

Rosa Dourada*

*texto já publicado anteriormente no blog ''Loucura é Não Viver a Realidade'' em 20/04/2010.

Certa vez, há muito tempo atrás, realizou-se na Inglaterra um grande Congresso Científico, que reuniu as mais brilhantes mentes da época numa grande troca de experiências. Eram médicos, físicos, químicos, botânicos, biólogos, psicólogos e todos os tipos de inventores ou descobridores dos mais curiosos, aos mais céticos.

Corria pelo Congresso, a notícia de que um famoso botânico, vindo diretamente de Paris, estaria expondo a mais bela experiência científica já presenciada todos os sábios e por todos os tolos que assistiam aquele espetáculo racional da Ciência.

Eis que chega o velho botânico, com sua equipe de ajudantes, trazendo uma bela redoma de vidro na qual uma única rosa, dourada como ouro puro e brilhante como estrelas, resplandecia aos olhos daqueles que abriam caminho para o grande cientista, que caminhava reoluto em direção ao palco improvisado para a apresentação de sua experiência. Era perceptível o orgulho que o velho botânico sentia de si mesmo. Mas é claro, pensava ele, era merecido. Depois de anos tendo seu simples trabalho ignorado pelas correntes mais radicais da Ciência, ele finalmente provaria que merecia todo e qualquer crédito por ser o melhor, um mestre ousado de uma ciência totalmente nova.

Todos os cientistas e espectadores reuniram-se ao redor do palanque num silêncio estarrecido, seus olhos na bela rosa, enorme, repolhuda, dourada como guinéus**.

- Eis aqui minha experiência! - exclamou o velho botânico - Ousada, revolucionária...bela.

O cientista apontou com seus dedos para a parte mais inferior da grande redoma, onde um líquido púrpura parecia alimentar a rosa. Depois explicou, em sua linguagem científica, floreada e orgulhosa, que aquela rosa tinha sido drenada de toda sua seiva natural, e era alimentada pelo surpreendente líquido púrpura, que modificava instantaneamente a estrutura genética da planta.

E então, um jovem rapaz, ao fundo da pláteia, ergueu a mão num gesto de dúvida.

- Sim, meu rapaz? - atendeu o botânico.

- O que aconteceria se retirássemos a rosa da redoma?

- Ela morreria, talvez em questão de segundos. Mas enquanto no vidro, ela poderá durar a eternidade, se assim quisermos - respondeu o botânico, cheio de si.

- E quanto ao aroma, mantém se o mesmo? - tornou o jovem.

- Ahn... na verdade não. - respondeu o velho cientista, começando a perturbar-se com as perguntas impertinentes do jovem rapaz - a modificação genética faz com que a flor perca a essência original.

- Então, a flor não tem perfume? - perguntou o rapaz.

- Não...- respondeu o velho, ligeiramente encabulado - durante a experiência, o único odor que pudemos perceber foi algo parecido com álcool...os compostos utilizados para a confecção do...

O rapz interrompeu o velho cientista, causando revolta entre os mais velhos da comunidade. Mesmo assim, continuou:

- O senhor pensa que algum dia será possível ter uma criação de rosas assim?

O velho sentiu-se melhor com a pergunta:

- Sim, claro. Seria possível! É claro que necessitariamos de uma estufa bastante equipada para receber canais de irrigação e outras coisas, mas sim, seria bastante possível.

E então, sabiamente, o rapaz tornou:

- E para o que o senhor criaria rosas assim? Pelo que entendi, as condições de vida delas são bastante limitadas, uma rosa comum resistiria a mais impactos do que...

O cientista gaguejou:

- A longo prazo talvez, possamos...estender seu tempo de vida, ganhar para elas maior resistência...

O rapaz tornava-se o centro das atenções dentre a multidão:

- E o que mais elas perderiam em busca dessa resistência? Além do odor, quero dizer...

O cientista estava perplexo:

- Olhe, meu rapaz! Penso que sou eu o botânico nesta sala...

- Certamente é o que nos foi dito, senhor.

- E você? - perguntou o cientista com desdém - O que é?

- Sou poeta, senhor. E penso que se o senhor criou uma flor que jamais poderá ser ofertada a uma mulher, que jamais poderá perfumar um baile de bodas, e que somente sobreviverá única e eternamente de sua beleza artificial sem que jamais traga alegria àquele que não a puder possuir aprisionada, o senhor jamais criou uma flor. O que me leva a crer que o senhor não é mais um botânico.

E naquele momento, dentre o silêncio chocado de mais de quinhentas pessoas, o velho botânico, cuja metade dos anos foi gasta tentando achar aquele momento mágico em sua ciência que surpreendesse aqueles que faziam pouco dela, percebeu que tinha realmente esquecido o sentido de ser o que era. E que tinha esquecido o que era uma rosa.

Delicada, viva. Perfumada. De uma beleza natural que não necessitava ser modificada ou melhorada, pois que nenhuma era igual a outra, e nem deveria ser. Dentre uma estufa de rosas douradas e vazias, apenas uma simples e espontânea rosa vermelha traria alegria em um botão, essência a um convite, resistência a um inverno.

E no ano seguinte, após um delicado trabalho de reversão da experiência, o botânico apresentou uma simples rosa vermelha, saída da bela roseira que segundo ele fora plantada por ele mesmo em sua casa, a partir da rosa desintoxicada do experimento químico do ano anterior. Ofereceu a rosa vermelha a sua mulher, que na platéia de mais de mil pessoas, sorria emocionada.

(Débora Magno)
♪ Vanilla Twilight - Owl City ♪
♪ Claire de Lune - Debussy ♪


** Guinéus foi uma moeda de ouro Britânica.

Este texto realmente significa muito pra mim.